Sunday, November 10, 2013

Para todas minhas Patricinhas tristes....

 

 por Thaddeus


Sempre me irrita com os sentimentos de "indignação"  e "tristeza" que as moças de boas famílias - quase sempre brancas, quase sempre da classe média para cima - sentem ao respeito das prostitutas

Escrevi o mini-ensaio abaixo respondendo a uma boa moça que sinceramente se comove com o dilema das prostitutas, achando a situação delas "uma tristeza" e que ela "tinha certeza" que essas mulheres não gostam do que fazem. Afirmou que eu não podia dizer que a situação delas era boa.

Acho que minha resposta merecia um público maior, então... Mudei o nome da moça.



Cara Poliana, você deve estar absolutamente engolida pela tristeza cada vez que você anda pelas ruas de nossa cidade!

Afinal das contas, as caixistas do supermercado que contabilizam suas compras, a moça da manicure que faz suas unhas, a senhora faxineira que limpa sua casa e - quem sabe - prepare sua comida , a balconista do botequim onde você toma seu cafezinho, a ascensorista do prédio onde você estuda ou trabalha, a tia que te vende a cerveja do isopor no Carnaval e cuidadosamente cata sua lata...

Nenhuma dessas mulheres faz o que faz "por querer". Quer dizer, se você de fato tivesse uma consciência social que te levava a tristeza cada vez que você vislumbrava uma mulher fazendo um trabalho que não gosta na nossa sociedade...

Puxa, haja Rivotril!

Mas duvido que você tem essa consciência social tão desenvolvida assim. Você é como eu: você edita a maioria dessas tristezas de seu dia-a-dia para puder sobreviver, emocionalmente.

A pergunta, então, é porque as prostitutas te levam a esse sentimento e - mais importante - o que que Maria ganha com isto?

Pois, pelo teor de seus comentários, você imagina muito sobre a prostituição e sabe pouco, embora se entende como atenuada com a situação.

Falando em "o estado de total vulnerabilidade" dessas mulheres... Bom, isto é, em primeiro lugar, não tão total quanto você pode imaginar, comparado com a situação de outros trabalhos. Muitas das mulheres que entrevisto falam nas violências e assédios sofridos em outros trabalhos e salientam, positivamente, as condições de segurança onde atualmente trabalham. Como uma me falava "Você acha que eu não era pressionada para transar com meu chefe quando trabalhava no supermercado?!", "Você acha que meu marido me tratou bem quando era casada?", "Você acha que a fábrica onde fiquei 20 anos teve ventilação e ar condicionado?"

Além disto, as condições de trabalho que você deve achar "digna" (pq não envolve sexo e vem com carteira assinada) são em muitos casos completamente arbitrárias.

Você, que presumo ser branca, classe média e profissional (olhando a seus fotos) tem capital social e financeiro para processar quem te desrespeita, mas a maioria das mulheres trabalhadoras do Rio não têm. Estou pensando no caso de uma moça que entrevistei recentemente na Praça Tiradentes que trabalhou 2 meses com carteira assinada numa construção civil no Centro. No final do processo, ela foi demitida por faltar um dia de trabalho. A empresa prendeu sua carteira de trabalho (está com ela até hoje - nossa, se fosse passaporte ela poderia alegar o tráfico!) e ela não viu um só centavo para os 60 dias que trabalhou. Voltou para Praça Tiradentes onde continua tirar o sustento. Haja trabalho escravo! E isto numa empresa que assina carteira de trabalho e supostamente dá "condições mínimas de trabalho digno".

Essa é a realidade do trabalho no Rio de Janeiro que nossas classes médias desconhece. É vulnerável e violenta - EM SUA TOTALIDADE. É roubada. Mas como não é a putaria, ninguém está dizendo "Tadinhas! Olha elas, fazendo o que não querem!"

Mas, terceiro, uma das razões que as prostitutas NÃO TÊM a capacidade de se defender, legalmente, é por causa dos esforços contínuos de "pessoas du bem" que acham o negócio do sexo "pouca vergonha" e lutam contra a regulamentação da profissão. Não sei qual é sua opinião sobre essa situação, mas tenho que admitir que já ouvi um bocado de gente branca, classe média, profissional que morre de dor pelas prostitutas, mas não escutam que suas organizações dizem: querem a regulamentação.

Para com as condições mínimas de proteção e dignidade, na prostituição... Você tem razão: eu não posso te dizer nada porque, aparentemente, você acha que já sabe tudo ao respeito.

Mas uma pergunta: de onde vem toda essa certeza sua, se não dos preconceitos e da mídia em massa? Salve Jorge? As matérias da Rede Record?

Estudo prostituição nessa cidade faz uma década. Conheço milhares de prostitutas. Vivo entrando e saindo de bordeis. Além disto, tenho um amplo conhecimento teórico da questão e posso afirmar uma coisa, com certeza: você está redondamente enganada e operando a base de preconceitos absolutamente superficiais e negativos se você acha que a prostituição, necessariamente, é mais abusiva que outras formas de trabalho "legítimas" em nossa cidade.

Tem prostituição de todos os tipos e uma moça de Centaurus, por exemplo, não está numa situação menos digno que minha amiga da Tiradentes quando trabalhava na construção civil. Uma escort que ganha 1000 reais por programa não está vivendo uma vida menos digna - ou necessariamente mais perigosa - que a sua. Ou você acha que vocês dois transam com homens totalmente diferentes e que os homens que ameaçam ela nunca podem ameaçar você, porque você não cobra?

E para com a maioria das prostitutas, trabalhando nas fast fodas ou em Vila Mimosa, vez após de vez, tenho ouvido essas mulheres afirmar que JAMAIS voltariam a ser garçonetes, babás, caixistas de supermercado, faxineiras etc. etc. Que consideram esses empregos tão abusivos quanto a prostituição, com o agravante que pagam bem menos.

É incrível, para mim, como mulheres - quase sempre brancas, quase sempre da classe média, quase sempre profissionais - afirmam saber tanta sobre a prostituição, sem aparentemente nunca dar ouvidos às mulheres que exercem a profissão. Se for muito, ouviram - uma vez - uma ex-prostituta paga por uma organização salvacionista dar palestra num seminário onde todas as opiniões contrárias são censuradas. Nunca entraram em bordel. Não falam com as mulheres ativas na batalha. Não escutam às organizações das prostitutas. Certamente não têm amigas putas.

Ahn, mas "não pode dizer nada" a elas sobre a prostituição, porque elas já sabem tudo.

Por osmoses, aparentemente.

Mas aqui é a razão que acho sua tristeza um pouco schmaltzy, Poliana.

Dado as condições de trabalho e de gênero vigentes em nossa sociedade, para você puder ser profissional da classe média, tem que existir um monte de mulheres subalternas, lavando, cozinhando, costurando, limpando e cuidando para você, todos ganhando o salário mínimo ou menos. A situação é igual para eu, também.

E a gente ACEITA essa situação numa boa. Sério. Não me diga que você se sente "indignada", pois sei que não é a verdade: você, como eu, só se sente indignada quando é de sua interesse. Pois se a gente parou para analisar e tomássemos uma posição REALMENTE indignada, estaríamos na rua, juntos com aquele economista e guardador de carros que deu um soco na Secretário de Ordem Público Alex Costa na semana passada.

Prostituta alguma quer seus sentimentos de tristeza, Poliana. Querem condições dignas de trabalho e o fim da estigmatização da profissão. Querem educação para seus filhos e opções de trabalho que podem pagar mais que um salário mínimo e que não envolvem a venda de sexo. Querem arranjar um homem rico para casar. Querem clientes finos, que as tratam bem. Querem o fim dos subornos policiais e da crescente criminalização da profissão por vias do Cavalo de Troia que é o movimento anti-tráfico.

Querem muitas coisas, as putas.

Agora, nunca ouvi uma prostituta sequer dizer, "Sabe que me falta na vida? O sentimento sincero das patricinhas."

E antes de você se revoltar, sim, você é "Patricinha" para elas e eu "Mauricinho". Não adianta fugir do rótulo.

É bom saber exatamente quanto vale seu sentimento nesse mundo.

Se você tem interesse em ajudar as prostitutas, posso te dar um monte de sugestões. Mas se a única coisa que você vai fazer é sentir triste e afirmar que você já sabe tudo ao respeito das condições de trabalho delas... Bom, eu diria que este sentimento tem muito mais a ver com você e suas necessidades emocionais do que com a situação dessas trabalhadoras.